O presente livro que ora apresentamos resulta das atividades do Grupo de
Estudos Urbanos (geu), que, em sua programação, selecionou o tema da segregação
espacial para pesquisa por parte de seus membros durante os anos de 2011 e 2012.
O livro, portanto, contempla esta temática, dando continuidade ao debate acadêmico
e aos textos publicados no periódico Cidades e no livro publicado pela Editora
Contexto em 2011 intitulado A produção do espaço urbano: agentes, processos, escalas
e desafios e organizado por Ana Fani Alessandri Carlos, Marcelo Lopes de Sousa e
Maria Encarnação Beltrão Sposito. A continuidade não é apenas formal, mas evidencia
que a segregação espacial constitui parte integrante e fundamental da produção do
espaço urbano.
O espaço da cidade capitalista, particularmente da grande cidade, caracteriza-se,
entre outros aspectos, por ser fragmentado, o que dá origem a um mosaico irregular,
com áreas de diferentes tamanhos, formas e conteúdos, assim geradas por distintos
processos espaciais e agentes sociais. As áreas desse mosaico, por outro lado, foram
criadas em diferentes momentos do tempo, exibindo paisagens construídas recentemente,
consolidadas, envelhecidas ou em processo de renovação. Complexas espacialidades
e temporalidades caracterizam o espaço da grande cidade capitalista, fato
que se acentua após a Segunda Guerra Mundial e se amplia mais ainda nos últimos
25 anos (Marcuse, 2003).
Assim, na fragmentação do espaço urbano capitalista é possível conceber uma
divisão econômica do espaço e uma divisão social do espaço. A primeira deriva da
complexa espacialidade das atividades econômicas, originando terminais de transporte,
depósitos, fábricas, estabelecimentos atacadistas e varejistas, escritórios de serviços, a cidade contemporânea
hospitais e escolas. A espacialidade de cada uma dessas atividades responde a uma
lógica própria, vigente no momento de sua implementação ou que, por eficiência
continuada ou ainda por inércia, garante a localização de cada atividade. Zonas portuárias,
áreas industriais, antigas e novas, espontâneas ou planejadas, áreas comercias
hierarquizadas ou dotadas de especialização funcional são o resultado dos intrincados
processos que originam a divisão econômica do espaço urbano.
Já a divisão social do espaço urbano traduz-se em numerosas áreas sociais, cada
uma caracterizada por uma relativa homogeneidade interna e heterogeneidade entre
elas. Atributos como renda, instrução, ocupação, faixa etária, fecundidade, etnicidade,
religião, status migratórios e qualidade da habitação definem o conteúdo de cada área.
Há um mosaico social na cidade, com distintas formas e conteúdo sociais. O preço
da terra, expressão cabal da valorização da propriedade fundiária, e a proximidade dos
centros de negócios – área central, subcentros e áreas especializadas –, assim como das
áreas de amenidades naturais ou socialmente criadas e das áreas fabris, desempenham
papéis fundamentais na estruturação desse mosaico social.
As áreas sociais e econômicas tendem a se apresentar justapostas, mas em muitos
casos se superpõem ou estão imbricadas. As lógicas que presidem tais áreas apresentam
diferenças, mas não são estranhas entre si. A acumulação de capital e a reprodução das
diferenças sociais são as motivações essenciais, implícitas ou explícitas, que engendram
o espaço da cidade capitalista, os mosaicos sociais e econômicos que ora se justapõem,
ora se interpenetram. Mas os capítulos que compõem esta coletânea privilegiam o
mosaico social, considerando o seu conceito-chave de segregação espacial (residencial). Por outro lado diferentes cidades, dependendo de cada contexto, apresentam estruturações
espaciais diferenciadas. No caso das cidades norte-americanas, por exemplo,
os espaços residenciais periféricos (suburbs) são os mais valorizados, ao contrário das
áreas em torno dos centros (inner-city), nas quais estão concentradas as minorias étnicas.
Nas cidades latino-americanas e, sobretudo, nas da Europa continental, a proximidade
dos centros é valorizada e as periferias são em geral desvalorizadas e estigmatizadas.
Outro aspecto a ser observado é que em determinados contextos geográficos
a questão étnico-racial é fundamental (exemplos, Estados Unidos, África do Sul),
enquanto em outros contextos a questão social é preponderante (exemplo, Brasil).
A segregação espacial tem constituído objeto de interesse de vários campos das
ciências sociais, como a sociologia, particularmente a Sociologia Urbana da Universidade
de Chicago, durante a primeira metade do século XX: a denominada Escola
de Chicago. Seu olhar para a segregação calcava-se em uma analogia com as ciências
naturais, particularmente a Ecologia Vegetal. A cidade era entendida como uma
forma específica da comunidade, submetida à luta pela sobrevivência. Nessa luta, a
competição era a motivação principal e a segregação residencial manifestava-se na
forma de “áreas naturais”. As áreas sociais, a partir da década de 1950, tornaram-se
o conceito substituto, liberado da interpretação naturalizante. Nesse contexto, os estudos de Ecologia Fatorial propiciaram um significativo avanço sobre a segregação
residencial (Theodorson, 1974; Grafmeyer e Joseph, 1990).
Por sua vez, os economistas neoclássicos que se dedicaram ao estudo do espaço
urbano consideraram a segregação residencial como o resultado de uma competição
pela terra urbana. As melhores localizações seriam apropriadas por aqueles que pudessem
transformar custos em satisfação; admitindo-se nessa equação uma negociação
“trade off ” entre morar longe em ambiente amplo e barato, arcando com custos de
transporte, ou morar junto ao centro mas em prédios deteriorados e com altas densidades
demográficas segregação residencial, na qual se distinguiam o subúrbio e
os “ghettos” da zona periférica do centro, estava explicada (Alonso, 1964), no caso
das cidades norte-americanas.
Na economia política com base no materialismo histórico e dialético, a referência
seminal é o texto de Engels de 1845 sobre as condições de vida dos trabalhadores nas
áreas centrais deterioradas de Manchester (Engels, 1975). A segregação residencial é
o resultado, no espaço urbano, da necessidade de existências distintas entre grupos
sociais. Mais do que isso, as áreas segregadas estabelecem os locais da reprodução das
diferentes classes sociais (Castells, 1983).
A geografia urbana acompanhou essas três tradições maiores no que tange à
temática da segregação residencial. Mas em todas elas a espacialidade constitui o
foco principal da visão geográfica. Privilegia-se que o entendimento de que espaço
não é um palco no qual a sociedade vive, mas é produto dessa sociedade e condição
de sua existência, portanto capaz de influenciar decisivamente as diferenças tanto
no modo de existir como na reprodução das diferenças. As influências da Ecologia
Fatorial e do Marxismo são centrais na visão geográfica sobre o tema em tela, criando
uma complementaridade para a qual a visão maniqueísta está excluída. O caminho a
seguir pelos geógrafos é largo e longo e esta coletânea intenciona contribuir para isso.
A segregação espacial insere-se na produção do espaço, consistindo, juntamente com
as suas consequentes formas, em um dos mais importantes processos do espaço urbano.
A distribuição das áreas industriais, das áreas de lazer, dos espaços públicos, dos locais
de consumo, das vias de tráfego e dos meios de transporte, das escolas e dos hospitais,
da limpeza e da segurança pública está, em diferentes graus, ligada à segregação espacial,
exibindo também uma nítida espacialidade diferencial. Isso possibilita ao geógrafo um
amplo campo de investigação, abordando a segregação em suas múltiplas conexões.
Produto social, a segregação espacial constitui também um meio no qual a existência
dos diferentes grupos sociais se efetiva. Produto e meio, a segregação é parte
integrante dos processos e formas de reprodução social, pois a relativa homogeneidade
interna de cada área social cria condições da reprodução da existência social que ali se
verifica. Há, em realidade, uma profunda conexão entre segregação e classes sociais,
conforme aponta Harvey na década de 1970 (Harvey, 1985). Assim, fragmentação
social e fragmentação espacial são correlatas.
A segregação espacial é parte integrante e fundamental da produção do espaço,
pois a produção de residências inicia-se tanto no processo de investimentos de
capital como em estratégia de sobrevivência. Há, nesse sentido, uma gama complexa
de agentes sociais que produzem a segregação espacial, constituindo tipos ideais. Os
proprietários dos meios de produção, proprietários fundiários, promotores imobiliários
e o Estado são esses agentes formais, enquanto os grupos sociais excluídos, os agentes
informais. Mas este ponto necessita aprofundamento, pois as práticas espaciais deles
não apenas variam, como podem se apresentar, de modo combinado. Políticas públicas,
acumulação de capital, estratégia de sobrevivência são parte integrante da produção
da segregação espacial.
A temática da segregação espacial está longe de ter sido esgotada não apenas
porque as relações entre sociedade e espaço são mutáveis, mas também porque há
questionamentos, relativos ao passado e ao presente, que ainda não foram investigados.
E isto é particularmente significativo quando se considera o Brasil, onde há poucos
estudos sobre o tema em pauta, e ao mesmo tempo verificam-se significativas mudanças
na urbanização, incluindo a criação de novos centros urbanos, com possíveis
reflexos nos processos e formas de segregação espacial.
Entre possíveis questionamentos para investigação apontam-se os seguintes:
a) As conexões entre segregação e outros aspectos sociais e suas espacialidades, a
exemplo da estrutura econômico-espacial, a mobilidade residencial, a jornada
para o trabalho e os movimentos sociais.
b) A estruturação das classes sociais e suas frações em suas conexões com a
segregação espacial.
c) Os padrões espaciais da segregação e suas mudanças.
d) A espacialidade diferencial da segregação considerando-se as cidades de distintas
dimensões demográficas, sítio urbano, estrutura social e inserção na divisão
territorial do trabalho, processo migratório, status dos movimentos sociais e
a própria história espacial. À guisa de sugestão considerem-se, por exemplo,
Belém e Curitiba, Petrópolis e Uberlândia, Parnaíba e Limeira e cidades com
20 mil a 30 mil habitantes, de um lado, e cidades com 200 mil a 300 mil
habitantes, de outro. Considerem-se ainda cidades gêmeas em fronteira internacional
ou ainda a localização residencial de minorias étnicas nas grandes
cidades brasileiras, a exemplo de bolivianos, uruguaios, coreanos, palestinos
ou descendentes de alemães ou italianos.
* * *
O primeiro capítulo do livro tem o título de “Contribuição para o debate sobre
processos e formas socioespaciais nas cidades” e é de autoria de Pedro de Almeida Vasconcelos. Tendo em vista a utilização polissêmica do conceito de segregação e
sua transferência para outras realidades, o autor faz a opção pelo uso restritivo do
conceito, caracterizando-o como segregação involuntária e coercitiva, e sugere sua
utilização apenas para casos específicos, como os guetos judeus e os bairros negros
segregados nos Estados Unidos. O autor propõe, então, uma série de noções alternativas
que poderiam substituir com maior precisão os vários sentidos utilizados como
sinônimos de segregação. As noções e os conceitos propostos estão divididos em três
blocos: primeiro, as noções ligadas aos espaços, como diferenciação socioespacial,
desigualdade socioespacial, justaposição, separação, dispersão (urbana), divisão em
partes e fragmentação; em seguida, as noções mais ligadas aos indivíduos, como as
de exclusão e inclusão (espacial); e, finalmente, os conceitos e as noções tanto ligados
aos indivíduos quanto aos espaços como os de segregação, dessegregação, apartheid,
autossegregação, agrupamento, fortificação, polarização socioespacial (junto com a
noção de underclass), dualização, “gentrificação”, invasão, marginalização (espacial),
periferização e abandono (de áreas). A bibliografia conta com um total de 88 textos.
No capítulo “Segregação residencial: classes sociais e espaço urbano” Roberto
Lobato Corrêa afirma que a segregação residencial é um dos processos espaciais
que geram a fragmentação do espaço urbano. Destaca inicialmente os textos de R.
Harris e D. Harvey que tratam da segregação das classes sociais. O autor faz em
seguida a diferenciação entre segregação imposta e segregação induzida. Passa então
a examinar os modelos Kohl-Sjoberg (juntando a contribuição dos dois autores), de
Burgess, de Hoyt e de Yujnovsky. Continua com o exame das áreas sociais desde os
antecedentes das áreas naturais até o exame das áreas sociais por meio da utilização da
análise fatorial. O autor define a segregação residencial como um “processo espacial
que se manifesta por meio de áreas sociais relativamente homogêneas internamente
e heterogêneas entre elas” e conclui propondo o exame da segregação residencial das
cidades brasileiras com a utilização dos seguintes critérios para o estabelecimento de
áreas sociais: tamanho demográfico, crescimento demográfico, funções, antiguidade
e sítio urbano. Uma bibliografia de 56 títulos é apresentada.
O capítulo de Maria Encarnação Beltrão Sposito tem o título de “Segregação
socioespacial e centralidade urbana”. O longo texto está dividido em seis partes. Na
primeira a autora trata do conceito de segregação, seus limites e possibilidades. Destaca
inicialmente que segregação não pode ser confundida com diferenciação espacial,
desigualdades espaciais, exclusão, discriminação, marginalização e estigmatização. A
segunda parte é sobre o conceito de segregação e sua multidimensionalidade. Nessa
parte a autora destaca seis pontos e afirma que “nem todas as formas de diferenciação e
de desigualdades são, necessariamente, formas de segregação”. Lembra que o conceito
só se aplica quando há separação espacial radical, quando cita Helluin e sua crítica da
segregação como “noção-valise”. A terceira parte é sobre as novas segregações, quando
o conceito aparece como afastamento e destaca o par segregação-autossegregação. A
|quarta parte trata dos centros e as centralidades, com a discussão das diferenças entre
as duas noções. São discutidas também as noções de multicentralidade e policentralidade.
A quinta parte é sobre centros, centralidades e segregação socioespacial, quando
a autora trata da superação da lógica centro-periferia, da locomoção pelo transporte
individual e do processo de reestruturação das cidades. Na sexta parte, “Múltiplas
formas de segregação, centro e centralidade, fragmentação socioespacial”, a autora
conclui com os limites do conceito de segregação socioespacial, adotando a ideia de
fragmentação socioespacial. A rica bibliografia conta com 112 textos.
O denso capítulo de Ana Fani Alessandri Carlos, “A prática socioespacial
urbana como segregação e o ‘direito à cidade’ como horizonte utópico”, é dividido
em seis partes. Na primeira, “Localizando o debate”, a autora propõe a tese de que
a segregação em seus fundamentos é o negativo da cidade e da vida urbana, e que
o seu pressuposto é a compreensão da produção do espaço urbano como condição,
meio e produto da reprodução social. Na segunda parte, “Da morfologia segregada à
segregação como forma da desigualdade”, a autora destaca que a produção da segregação
como separação e apartamento implica uma prática social cindida como ato de
negação da cidade. A terceira parte é sobre “A contradição centro-periferia”, quando
a autora afirma a centralidade como elemento constitutivo da cidade, fundamento
teórico e prático, enquanto que a industrialização produziu uma urbanização que
gerou periferias desmedidas que separam imensos contingentes sociais. Na quarta
parte, “O espaço urbano como valor de troca”, são destacados os espaços dos condomínios
fechados. Na quinta parte, “A práxis fragmentada”, a ênfase é dada à metrópole
financeira, ao encolhimento da esfera pública e à re-privatização da vida. Na sexta
parte “Da desigualdade à luta pelo direito à cidade”, a autora discute as lutas dos
movimentos sociais pela apropriação do espaço urbano, concluindo com a afirmação
de que a superação da segregação socioespacial encontraria seu caminho na construção
do “direito à cidade” como projeto social.A bibliografia é composta por 50 textos.
A contribuição de Isabel Pinto Alvarez tem o título de “A segregação como
conteúdo da produção do espaço urbano”. O capítulo está dividido em três partes.
A autora destaca inicialmente que “a segregação constitui um dos fundamentos
da produção do espaço urbano capitalista e o urbanismo, uma mediação para sua
reprodução”. Nos “Pressupostos” ela define segregação urbana como conteúdo
intrínseco da constituição do espaço urbano capitalista, que é fundamentado na
propriedade privada da terra e na valorização do capital. Na segunda parte, “Cidade,
urbanismo e reprodução do capital”, a autora comenta o urbanismo a partir das
contribuições de autores como Benévolo, Lefebvre, Marx e Harvey. O texto é concluído
com o exame do “Urbanismo e segregação em São Paulo”, quando comenta
os projetos Nova Guarapiranga, com previsão da retirada da comunidade local, e
Nova Luz, com propostas de remoção dos moradores da área, em contraponto aos
movimentos dos sem-teto. Conclui com a afirmação de que os planos urbanísticos,
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int rodu ç ão
enquanto política do Estado, viabilizam a remoção dos moradores que não podem
pagar o preço da valorização da terra, levando ao aprofundamento da segregação.
A bibliografia conta com 24 textos.
O capítulo “Semântica urbana e segregação: disputa simbólica e embates políticos
na cidade ‘empresarialista’”, de Marcelo Lopes de Souza, é iniciado com a discussão
da utilização da palavra segregação no Brasil. Coloca a questão da utilização da palavra
segregação pelos próprios sujeitos e critica as noções de desassistência, abandono
e descaso, que teriam afinidades ideológicas com as ideias de Gilberto Freyre. Como
contraponto o autor cita a utilização da noção de segregação em letra de música de rapper
carioca. O autor procura considerar o discurso como “um momento do processo que
(re)produz a segregação” e passa então a analisar as noções de revitalização, regeneração,
requalificação, “gentrificação”, renovação urbana, com citações de D. Harvey, Smith e
Williams, e, em seguida, de revitalização. O exemplo dos Jogos Pan-americanos no Rio
de Janeiro é colocado, seguido da história das “revitalizações” no Rio de Janeiro e da “pacificação”
das favelas. O texto segue com o exame dos contradiscursos dos movimentos
emancipatórios, com destaque para as ocupações dos sem-teto, que seriam exemplos
de “territórios dissidentes”, com citação de entrevistas sobre o entendimento da noção
de revitalização pelos ativistas. O autor conclui com a crítica à cidade “empresarialista”.
Uma bibliografia de 27 textos acompanha o capítulo.
Arlete Moysés Rodrigues é autora do capítulo “Loteamentos murados e condomínios
fechados: propriedade fundiária urbana e segregação socioespacial”. Os loteamentos
murados e condomínios fechados seriam, para a autora, duas formas de segregação
socioespacial nas cidades. O objetivo do texto “é atentar sobre como a propriedade da
terra (e das edificações) e a apropriação privada de espaços públicos e/ou coletivos são um
elemento fundamental da segregação produzida por este singular produto imobiliário”.
A autora adiciona que o setor imobiliário acresce a “mercadoria segurança” ao produto
imobiliário vendido. Vários autores são citados sobre as questões do medo e da segurança.
Destaca ainda que os loteamentos fechados são ilegais segundo a legislação brasileira.
O Estado aparece como refém do setor imobiliário e é considerado conivente com a
segregação socioespacial. A autora considera que essa nova forma de segregação social
tem sua base fundamental na propriedade da terra, mas também na apropriação privada
de espaços públicos e coletivos. Finalmente, esses loteamentos murados e condomínios
fechados vão produzir uma cidade segregada e fragmentada. Sessenta e um textos, dois
sites e seis referências à legislação são apresentados na bibliografia.
O capítulo de Angelo Serpa, intitulado “Segregação, território e espaço público
na cidade contemporânea”, é dividido em sete partes. O autor inicia examinando os
frequentadores do Parc de La Villette em Paris, comentando as entrevistas de imigrantes
estrangeiros. A segunda parte trata do conteúdo das dimensões simbólicas da
segregação com discussão da valorização imobiliária no entorno dos parques públicos
e a resultante substituição da população residente. Em seguida trata da segregação como representação, apoiando-se nos textos de Bourdieu (capital econômico e
cultural) e Lefebvre (direito à cidade). Na quarta parte, o autor coloca a segregação
como fundamento do processo de territorialização de grupos sociais, o que
resultaria no espaço público como uma justaposição de espaços privatizados. Na
quinta parte é feita a relação entre território e segregação, quando é reforçado que o
espaço público aparece como “justaposição de diferentes territórios”. A sexta parte
é sobre a segregação e o espaço público, com o exemplo das praias de Salvador e
com o exame dos espaços apropriados pelas classes sociais. Na última parte o autor
destaca as barreiras culturais e econômicas, quando comenta as contribuições de
Baudrillard (consumo) e de Sennet (relação espaço público e cultura). A bibliografia
é composta por 30 títulos.
O capítulo de Glória da Anunciação Alves é intitulado “A abordagem da segregação
socioespacial no ensino básico de Geografia”. A autora busca “discutir como a
questão da segregação espacial tem sido trabalhada no ensino da Geografia” a partir
da análise de dois livros de Geografia do ensino fundamental e três do ensino médio
aprovados pelo Programa Nacional do Livro Didático e em material produzido pela
Secretaria de Educação do Estado de São Paulo. Nos livros do ensino fundamental foi
destacado o uso das imagens, sendo que não aparece nesses a ideia de segregação. Nos
livros do ensino médio, consta uma maior discussão sobre as desigualdades sociais.
No material da Secretaria de Educação, por seu turno, são apresentados mapas do
Atlas de Exclusão Social. Para a autora a segregação socioespacial seria mais do que
as ideias de apartamento e separação, como aparecem nos textos analisados. A autora
conclui que a segregação espacial, de fato, é vivida no cotidiano dos estudantes que
habitam em áreas periféricas. Fazem parte da bibliografia 22 textos e três sites.
Como podemos observar, o conceito de segregação apresenta diferentes leituras
segundo os autores, que se contrapõem à visão mais restrita do seu uso por Pedro
Vasconcelos: Roberto Lobato Corrêa destaca o papel das classes sociais na segregação
residencial e examina as possibilidades da análise das áreas sociais. Por outro lado,
Maria Encarnação Sposito prefere utilizar o conceito de segregação socioespacial com
ênfase nas ideias de separação e afastamento, quando trata da centralidade urbana,
mas adota, no final, a noção de fragmentação socioespacial. Para Ana Fani Alessandri
Carlos o destaque da segregação socioespacial é para a separação e apartamento como
negação da cidade. Por sua vez Isabel Pinto Alvarez utiliza o conceito de segregação
urbana e analisa a remoção da população a partir de projetos de urbanismo do Estado.
Já Marcelo Lopes de Souza destaca o uso da palavra segregação pelos sujeitos e
prioriza a discussão sobre a revitalização. Arlete Moysés Rodrigues utiliza também o
conceito de segregação socioespacial, mas com o sentido de autossegregação a partir
do exame dos condomínios e loteamentos murados. Angelo Serpa, por sua vez, faz
o elo dos conceitos de segregação com o de espaço público e dá vários sentidos ao
primeiro conceito, com ênfase para o de justaposição. Para Glória da Anunciação Alves, finalmente, a segregação é mais que separação e afastamento, tendo em vista
os contrastes entre áreas centrais e periféricas a partir do exame dos livros didáticos.
No livro, portanto, não pretendemos encerrar esse debate, mas ele serve para
mostrar a riqueza das diferentes visões do conceito pelos autores, e também que a
utilização deste (ou de suas alternativas) a partir de diferentes enfoques contribui para
compreender a complexa e extremamente desigual realidade das cidades brasileiras.
Por fim, cabe alertar que, diferentemente do primeiro livro do Grupo de Estudos
Urbanos, A produção do espaço urbano (Contexto, 2011), aqui não se encontrará
diferença na grafia da palavra socioespacial, pois as novas regras ortográficas não
permitem o uso do hífen neste caso. Alguns autores entendem que no plano teórico
conceitual uma dupla grafia da palavra socioespacial (uma com hífen e outra sem
hífen) permitiria explicitar melhor a noção que se quer transmitir, ou seja, a grafia
socioespacial se referiria somente ao espaço social (por exemplo considerando-o do
ângulo do resultado de sua produção em determinado momento); em contraste,
sócio-espacial diria respeito às relações sociais e ao espaço, simultaneamente (levando
em conta a articulação dialética entre ambos no contexto da totalidade social, mas
preservando a individualidade de cada um). Sendo assim, alguns textos apresentam
uma nota explicativa quando a palavra socioespacial tem o sentido que anteriormente
ficava explícito com o uso do hífen.
Pedro de Almeida Vasconcelos
Roberto Lobato Corrêa
Silvana Maria Pintaudi
Bibliografia
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Carlos, A. F. A.; Souza , M. L. de; Sposi to, M. E. B. (orgs.). A produção do espaço urbano: agentes e processos, escalas
e desafios. São Paulo: Contexto, 2011.
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Engels , F. A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. Porto: Afrontamento, 1975 [1845].
Grafmeyer, Y.; Jose ph, I. L’école de Chicago. Paris: Aubier, 1990
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Theodorson, G. A. (org.). Estudios de ecología humana. Barcelona: Editorial Labor s.a., 2 v., 1974.